Mariana – Connosco hoje, temos o Padre João Chaves que, por coincidência é de Chaves. É salesiano, padre, e diretor dos Salesianos de Lisboa. É, também, pároco de Santo Condestável e da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, e especialista em Pastoral Juvenil.
Pe. João – Boa tarde, obrigado pelo convite. É um prazer poder colaborar com esta iniciativa que me parece muito louvável, principalmente no caminho da Jornada Mundial da Juventude 2023.
Henrique – Bem-vindo Padre João Chaves. Para começar, gostaríamos de saber o que é que estava a fazer na altura desta Jornada Mundial da Juventude de 1989. Em que fase da sua vida se encontrava? Em que lugar do país é que estava? Que idade é que tinha?
Pe. João – Naquele longínquo 1989, eu tinha 18 anos e estava no noviciado dos Salesianos, que fica em Vilarinho. A experiência de noviciado é sempre muito intensa e poucas são as saídas. Mas, o mestre dos noviços achou por bem que, para os jovens que se estavam a preparar para ir trabalhar com os jovens, era importante ir a um encontro com jovens e, por isso, comunicou-nos, com uma grande novidade, dizendo: “na próxima semana vamos todos a Santiago, ao encontro dos jovens com o Papa”.
Toda a parte da organização e preparação foi dele, juntamente com outros salesianos, e aí, juntámo-nos a outros salesianos e jovens que iam de Portugal. O grupo não era grande e a maior parte deles não era conhecido por mim, mas com muita facilidade, não fosse o espírito salesiano ser muito familiar, nos conseguimos entender, partilhar as coisas e viver principalmente aquela experiência.
Mariana – Sente que é fácil reconhecer Jesus Cristo como o caminho, a verdade e a vida, tal como nos impelia o tema da JMJ de 1989, em Santiago de Compostela?
Pe. João – Pode ser difícil se nós não tivermos os mesmos olhos de Deus para O reconhecer presente na nossa vida e no mundo de hoje.
Quando vemos só a naturalidade das coisas, olhamos para os acontecimentos da nossa vida e percebemos só que é fruto da experiência humana, do esforço humano e não conseguimos ver ali a mão de Deus. Ou então, noutra perspetiva, se o esforço que nós fazemos é só nosso, somos nós que decidimos e não nos faz falta nenhuma inspiração. Então, se calhar, é difícil descobrir Jesus como o caminho, a verdade e a vida.
A parte do cristão é bonita por isso mesmo, porque além do nosso esforço, da nossa dedicação, das nossas boas qualidades, está também aquilo que nos apresenta Jesus como um modelo e um caminho, uma via para construirmos a nossa felicidade, que queremos sempre, cada vez mais autêntica.
Henrique – E será que, hoje, nós, os animadores, os padres, os salesianos, as salesianas, somos capazes de mostrar este Jesus aos jovens como o verdadeiro caminho, verdade e vida?
Pe. João – Eu acredito que sim. Há vidas que falam por si, e só o facto de termos um jovem a falar de Jesus e viver ao estilo de Jesus, e se quisermos acrescentar mais, uma pessoa consagrada, a viver e a falar de Jesus, só por isso fala.
Depois, há um sem fim de recursos e iniciativas, que nos levam a um confronto com Jesus. As pessoas que estão habituadas ao Movimento Juvenil Salesiano, sabem que há momentos marcantes deste encontro com Jesus, não só na vida sacramental, mas também em muitas iniciativas que nos colocam em contacto com pessoas que são significativas, mas também que nos ajudam a fazer esta experiência de nos encontrarmos com Jesus.
Mariana – O papa João Paulo II, na sua homilia do dia 20 de agosto de 1989, dizia que ser grande significa servir. Isso é verdade, ser grande significa mesmo servir?
Pe. João – Se o disse o Santo Padre, é porque é verdade. Ele foi, realmente, uma pessoa inspirada por Deus e naquele momento assim o percebeu.
Devo dizer que não me recordo daquilo que o Santo Padre falou na homilia. Naquele momento, com certeza, escutei como todos os jovens, mas, para mim, foi muito mais marcante a experiência do encontro, os momentos que vivemos e que guardei mais do que alguma palavra em si. Recordo, por exemplo, a questão do olhar dele, que quando íamos a caminho do Monte do Gozo, se cruzou connosco e teve a amabilidade de olhar para nós.
Agora, há uma linha que me parece muito importante, que é a do serviço. Naquele tempo, possivelmente mais do que hoje, havia a ideia de que ser cristão era ir à catequese, ter formação e saber muitos conteúdos. Possivelmente o Papa João Paulo II, na preparação daquela jornada, percebia o que era bom. Era bom ser um jovem bem formado, ter boas qualidades, mas que não ficasse só para si, não ficar só para o seu pequeno grupo de amigos, mas que pudesse usar isso para o bem.
A caridade e o serviço são elementos integrais da nossa fé. Jesus Cristo toca-nos para vivermos a sua vida divina como Ele viveu, que foi servindo, amando e fazendo o bem.
Henrique – Qual é que é a maior dificuldade de crescermos como estes seguidores de Cristo?
Pe. João – Eu acho que a maior dificuldade é não encontrar Jesus Cristo.
Bons, todos nós somos, Deus criou nos assim. No entanto, nem todos, se calhar, temos a graça de nos encontrarmos com Jesus Cristo e se não nos encontrarmos com Ele, é muito difícil de segui-Lo como caminho, verdade e vida. Porém, isto é um encontro que depende de duas partes, depende de Deus que se queira revelar, mas depois, depende de cada um de nós, da abertura que Lhe damos para Ele nos poder falar e nos tocar o coração.
Conhecemos a vida de muitos santos, alguns deles mudaram de forma radical quando, um dia, se encontraram com Jesus e a partir dali, seguiram-No com muita liberdade e com muita felicidade.
Portanto, eu acredito que o maior desafio, é darmos espaço a Deus para nos podermos encontrar com Ele. Depois sim, é a partir daí, que temos a certeza deste amor com que Ele nos olha e nos ama. Depois, é mais fácil, não significa que tudo seja facilidade, mas é mais fácil segui-Lo.
Mariana – Sendo as Jornadas um encontro de jovens, o que é que o padre João acha que os jovens em 1989 podiam esperar desta Jornada?
Pe. João – Eu acho que podiam esperar um momento de revitalização. Estávamos no início das jornadas, tínhamos pouca experiência, mas tínhamos um desejo, queríamos encontrarmo-nos com o Papa. Se ele queria falar aos jovens e encontrar-se com os jovens, porque é que nós, que já vivemos a nossa fé, não íamos?
Quando fomos, tomámos a consciência de que afinal, não éramos os únicos jovens a acreditar, mas que há muitos outros que também vivem a sua fé, partilham canções parecidas com as nossas, mas que têm, também, outras manifestações muito diferentes. Então, eu penso que esta experiência das jornadas ajuda principalmente a encher o coração e sentir que vale a pena. Vale a pena ser cristão, vale a pena viver a nossa fé.
É importante dar testemunho da alegria de ser discípulo de Jesus, e acho que aquelas jornadas criaram um movimento de consciência disto, porque, afinal, há muitos outros jovens que vivem esta dimensão cristã.
Henrique – Considera que o perfil dos jovens de hoje é igual ou semelhante ao dos jovens que participaram na JMJ em Santiago de Compostela?
Pe. João – Os jovens são sempre jovens, as características da cultura e do momento histórico é que os modificam, mas as suas características principais, como o desejo de autonomia, de construir a sua vida, de marcar a diferença, de criar uma civilização de amor, com mais justiça, mais paz, isso existia naquele longínquo ano de 1989 e existe hoje.
Mariana – Pegando nesta ideia que referiu, de que os jovens marcam a sociedade, sente que os jovens de hoje estão mais, menos ou igualmente preparados para testemunhar a forma de viver que o Papa João Paulo II, referia?
Pe. João – Eu diria que temos mais condições hoje, porque temos mais meios para o testemunhar do que naquele tempo.
É verdade que, naquele tempo, em termos de percentagem, eram mais os jovens cristãos do que, possivelmente, hoje, mas, na minha perspetiva, parece-me que os jovens cristãos de hoje, sendo em percentagem menor, são mais convictos e têm esta consciência de que são convidados a testemunhar.
A vida destes jovens fala muito, quando nos cruzamos num ambiente universitário ou numa outra iniciativa, e encontramos um jovem cristão que testemunha claramente a sua fé e a testemunha de forma convicta, eu acho que isto marca aquele ambiente e marca a sociedade.
Henrique – Padre João, que papel é que a Jornada Mundial da Juventude tem na evangelização do mundo juvenil?
Pe. João – Penso que a iniciativa do Papa João Paulo II, em promover estas Jornadas Mundiais da Juventude, foi inspirada pelo Espírito Santo, e se é inspirada pelo Espírito Santo, significa que, naquele momento histórico, algo vai nascer, mas irá perdurar pelo tempo como a ação do próprio espírito.
Hoje, reconhecemos que não é só importante o encontro em si, mas todo o processo que nos leva a tomar consciência da presença de Deus, da nossa formação, do caminho conjunto e as jornadas Mundiais da Juventude são um ponto deste processo.
Para alguns jovens, são um ponto muito importante, porque é aquilo que desperta a chama da vivência cristã, para outros, se calhar é um ponto importante para uma grande intensidade nos outros, para abrir portas para outros movimentos, para crescer na fé, para se integrar depois nas paróquias.
Portanto, a mim parece-me que não é um ponto de chegada, mas sim um ponto importante dentro de um processo de evangelização.
Mariana – Por último, gostaríamos de lhe perguntar qual é que é a mensagem que queria deixar aos jovens que começam a preparar a sua participação na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, em 2023?
Pe. João – A mensagem que me ocorre imediatamente, é a de preparar o melhor possível. Quanto mais prepararmos aquele acontecimento, melhor o vamos viver, e se o vivermos bem, então vai tocar principalmente a nossa vida de fé, caso contrário, também a Jornada não tocará a nossa vida.
Então, o desafio é mesmo prepararmos bem, dedicarmo-nos bem, aprofundar bem os temas de maneira que cheguemos lá com a alma cheia, o coração aberto para que aquilo seja mesmo alguma coisa magnífica a acontecer, num terreno que já está trabalhado, fértil e preparado para acolher este dom.
As coisas caem no terreno bom, como diz o Evangelho, então frutifica muito. Portanto, preparar as jornadas, quanto mais, melhor, para que o nosso terreno, o terreno de vida de cada um, possa estar de forma impecável para receber essa grande semente da Jornada Mundial da Juventude, quando chegar a ocasião e poder, depois, dar muitos frutos de felicidade de vida, na vida de cada um deles.
Henrique – Muito obrigado por ter estado connosco, Padre João.
Pe. João – Foi um prazer, votos de bom caminho, de boa preparação, e quando chegar o momento, uma feliz Jornada, aqui, em Lisboa.